Arquivamentos e Imersões
Ricardo Mello | outubro de 2007
"Arquivamento", 2006 (tiras fotográficas verticais, painéis)

Meu intuito principal neste trabalho é efetuar de forma crítica e sistemática determinadas transposições imagéticas entre o vídeo, a foto e, seu destino final, a pintura. Transposições essas que trazem implicações semânticas evidenciadas pelo crescente distanciamento perceptivo em relação ao referente que é representado: a pessoa e a cena que figuram na imagem inicial do processo. Busco ainda explorar as diferentes noções de percepção da realidade nos entremeios dessa série de mídias.

Para isto, constituí inicialmente uma extensa série de imagens apropriadas de cenas cinematográficas, fotografadas unicamente diante de uma tela de televisão (que as exibia por meio de um vídeocassete). Essa série acabou por dar origem a uma instalação intitulada "arquivamento".

As fotografias recortam um pedaço no campo total na cena original da TV. Viso assim também alcançar uma dissociação entre memória e imagem através da utilização de filmes que tem como característica principal um certo anonimato, cujas imagens tem chances remotas de serem identificadas.

O objetivo principal dessa longa série de captações fotográficas é o de instituir um arquivo para posteriores transposições pictóricas executadas através de um minucioso trabalho manual, utilizando-se uma técnica advinda do movimento do Hiper-Realismo. Como no caso dos pintores hiper-realistas, meu processo pictórico amplia exageradamente o recorte fotográfico da imagem original, copiando-o meticulosamente sobre a superfície branca do suporte pictórico, pixel a pixel, camada de cor sobre camada de cor, e salientando desse modo na pintura as interferências dos meios videográfico e fotográfico sobre a referência imagética inicial.

Ao empregar essa prática específica de trabalho (no ínterim de um processo laborioso que leva, literalmente, centenas de horas), procuro retomar aqui alguns preceitos essenciais do movimento hiper-realista: a elaboração exagerada dos parâmetros e códigos de representação de outro(s) meio(s) na pintura, o interesse focado no processo e o meio pictórico como uma nova variação do objeto apropriado. É um processo demorado que para ser concluído levou 360 horas de trabalho na pintura "imersão noturna #047 (360 horas)", e 424 horas de trabalho na pintura "imersão noturna #053 (424 horas)". O fato de eu anotar e contar o tempo de trabalho não deixa de ser também algo que reforça a importância do processo nessa pintura.

Os títulos de cada uma das pinturas ("imersão noturna") sugerem o fato de a imagem cinematográfica ter sido utilizada como tema para uma imersão visual. A imersão nesse caso trata-se justamente do momento de captação fotográfica da imagem frente a uma tela da televisão.

De um meio para outro a noção de realidade volatiliza-se, pois a imagem não é mais aquela criada pela emanação direta do referente, mas pela mão do pintor que copia de modo extremamente fiel a codificação visual fotográfica. Instaura-se dessa maneira, como escreve Gerhard Richter em relação às suas pinturas de fotos, "uma espacialidade especial, que resulta da penetração e da tensão entre o apresentado e o espaço do quadro".